Em uma definição literal, a palavra solidariedade quer dizer dependência mútua entre indivíduos. Essa é a descrição que se encontra nos dicionários. O termo vem do latim solidare, que significa solidificar, tornar sólido. Quando uma pessoa toma uma atitude solidária, ela cria um vínculo com aquela que foi objeto de sua boa ação. Este é um substantivo que toma muitas formas diferentes, que vão desde pequenas atitudes, como ajudar um idoso a atravessar a rua, até a dedicação de seu tempo a uma determinada causa, com trabalhos voluntários em organizações sociais constituídas. De um extremo ao outro a solidariedade passa por diversos tons e sobretons, mas é parte do senso comum que ela se vista frequentemente de rosa. Assim, associar gestos solidários e de cuidado com o próximo à imagem feminina é algo corriqueiro. Mas será que as mulheres são realmente mais solidárias? Para o pesquisador do setor de Medicina Comportamental da Universidade Federal de São Paulo, Ricardo Monezi, a resposta para essa questão é biológica. “Desde o tempo das cavernas, o homem tinha como função principal sair à caça e a mulher ficava com obrigações de cuidado com a caverna e os filhos. Isso tem relação com o cérebro de cada gênero. Eles são iguais, mas tem modus operandi diferentes”, explica. Essa diferença se dá, segundo ele, principalmente por conta dos hormônios presentes em cada organismo. “O homem tem mais testosterona, que dá a ele um ímpeto mais agressivo, já as mulheres tem mais progesterona e estrógeno, que são hormônios relacionados à reprodução e ao cuidado”, relata o pesquisador. Ao longo dos séculos a sociedade evoluiu, mas homens e mulheres seguiram interpretando papeis que reforçaram esses contrastes. “Por mais que as mulheres estejam cada vez mais caçadoras: trabalhando fora e sendo chefes de família, elas são ainda responsáveis pelo cuidado com a casa e os filhos”, comenta Monezi. Esse caráter cuidador faz com que as mulheres sejam maioria em ações sociais. É mais comum ver uma mulher fazendo um trabalho voluntário do que um homem, principalmente se a atividade estiver relacionada ao cuidar, seja de pessoas ou do ambiente. Ainda assim, segundo Jorge Claudio Ribeiro, filósofo e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, isso não significa que elas sejam mais solidárias. “A sociedade historicamente destinou a homens e mulheres espaços diferentes e cada um dos sexos aprendeu a expressar sua solidariedade da forma que era possível nesses espaços. As mulheres fazem trabalho voluntário, colocam literalmente a mão na massa. Já os homens atuam em funções de gestão. Um exemplo clássico é a política. A maneira que muitos homens encontram de contribuir para a solução de problemas coletivos é a política e isso é uma expressão de solidariedade e cuidado com o próximo”, explica Ribeiro. Diferente de Monezi, Ribeiro aponta esta divisão como algo muito mais social do que biológico. “Assim como as mulheres estão ocupando espaços antes masculinizados e tomando para si a expressão de solidariedade antes mais utilizada pelos homens, o oposto também ocorre. Os homens têm se sentido mais à vontade para serem cuidadores. Isso tudo é muito dinâmico”, afirma o filósofo. Ele lembra ainda que a personalidade de cada pessoa pode influenciar, mas não é o principal fator. “Alguns indivíduos têm esse sentimento solidário mais aflorado e isso independe do sexo. Todavia, eu acredito que a solidariedade é algo que se aprende, principalmente com base em exemplos. Se eu cresço em um ambiente solidário, onde as pessoas a minha volta tem comportamentos solidários, vou ser um adulto com esse valor”, exemplifica. Essa é também a opinião da antropóloga Mirian Goldenberg, autora de diversos livros sobre as questões femininas. Ela entende que a solidariedade é uma característica inerente ao ser humano. “O que ocorre é que os homens são socialmente cobrados para exercer atividades nobres, bem remuneradas. Quando ele dedica parte de seu tempo a uma atividade que não se encaixa nesse padrão, a sociedade classifica como ‘perda de tempo’. Já as mulheres são incentivadas a realizar essas atividades. São valorizadas quando fazem isso”, diz. Estes comportamentos não são, de acordo com a antropóloga, um padrão seguido em qualquer sociedade. “Eu estudo a Alemanha Oriental, que é uma região onde os comportamentos são bastante distintos do que vemos aqui no Brasil. Lá é natural que uma mulher melhor remunerada seja responsável pelo sustento da família e o homem cuide da casa. Isso se reflete também quando falamos de solidariedade”, demonstra. Mesmo diversas, as opiniões dos especialistas convergem em um ponto: fazer o bem faz bem. “Os estudos comprovam que quando alguém pratica um ato solidário, o cérebro dá um sinal para o corpo, de que ele tem que estar bem para poder continuar ajudando. A ciência ainda precisa estudar mais, mas já sabemos que quem participa de ações de solidariedade tem um sistema imunológico mais forte. Sabemos também que isso influencia até no colesterol, aumentando o bom e diminuindo o ruim”, exalta Monezi. Ribeiro complementa afirmando que “é natural do ser humano ser solidário e isso impulsiona a pessoa a ir além, olhar para fora da sua rotina, da sua vida cotidiana”. Enquanto homens e mulheres não concluem o desenho de uma sociedade diferente, onde cada um pode interpretar o papel que lhe cai melhor, as mulheres vão se beneficiando do direito de colocarem a mão na massa da solidariedade e seguem transformando realidades. Dedicação que transforma Na luta contra o álcool Trinta anos de trabalho voluntário no grupo e quatro à frente do Alcoólicos Anônimos (AA), uma das principais organizações de apoio a dependentes do álcool no Brasil. Sandra Lúcia de Oliveira é psicóloga e, diferente do que se possa imaginar, nunca teve problemas com bebida e nem enfrentou essa situação em seu círculo familiar mais próximo. “Comecei a frequentar as reuniões como voluntária, quando era recém-formada. O que me levou para o AA foi um paciente que tinha problemas de alcoolismo na família e já tinha tentado o suicídio. Eu precisava saber mais sobre a questão e fui procurar o AA. Nunca mais saí de lá”. A psicóloga conta que o trabalho no grupo é alicerçado na questão da solidariedade. “Um apoia o outro, um precisa do outro. Trabalhar com isso durante tantos anos reforçou em mim esse sentimento. Eu já tinha um senso coletivo muito forte, porque sou mestiça de índios, e a cultura indígena tem um caráter coletivo. Então nunca enxerguei o outro como alheio a mim”. Na luta pela água Uma foto e uma vontade na cabeça. Recuperar um lugar que fez parte da sua história. A jornalista Malu Ribeiro passou parte da sua juventude às margens do Rio Tietê. A primeira vez que viu o rio tomado por espumas de poluição, nos anos 90, tirou uma foto. A imagem foi enviada para um concurso na Alemanha que premiaria imagens de poluição. Malu foi desclassificada, porque a comissão julgadora entendeu que a foto, em preto e branco, era de uma paisagem de neve. Ao explicar que era espuma de um rio sujo, o pessoal do concurso ficou chocado e acabaram por premiá-la com uma menção honrosa. “A partir daí percebi que as pessoas não tinham informação sobre a questão da poluição. Eu queria fazer algo por aquele lugar e entendi que como jornalista precisava dar às pessoas informação sobre o mal que estavam fazendo àquele rio”, relata a jornalista, que hoje é Coordenadora da Rede das Águas da Fundação SOS Mata Atlântica. Malu fez da preservação dos recursos hídricos a questão da sua vida. A região que ela tanto queria preservar foi transformada na Estrada Parque do Vale do Tietê, primeira estrada parque do Brasil. E essa conquista se deve muito ao seu trabalho. “A água já é um recurso que tem muito do feminino e por isso me identifico. Sou realmente uma pessoa privilegiada por poder trabalhar naquilo que acredito”, alegra-se. Na luta pelos deficientes visuais Uma filha deficiente visual e uma mãe que transformou sua dificuldade solitária em uma das mais atuantes instituições especializadas em deficiência visual no Brasil, a Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual Laramara. A organização, em seus mais de 20 anos de história, já ajudou mais de dez mil pessoas e não cobrou nada por isso em 93% dos casos. A educadora Mara Olímpia de Campos Sialys é a mãe de Lara Siaulys, que hoje, já adulta, é formada em música. Quando Lara nasceu, em 1978, Mara deu início também à sua dedicação ao tema deficiência visual. Escreveu várias publicações específicas sobre educação e desenvolveu mais de 100 brinquedos especiais para crianças deficientes visuais. Sua principal obra é o livro “Brincar para Todos”, em que ensina passo a passo a confecção de brinquedos, sempre utilizando materiais baratos, acessíveis e de fácil produção. “Desde o começo senti a necessidade de compartilhar minha experiência para ajudar outros pais a compreenderem melhor seus filhos e darem mais qualidade de vida para eles”, conta. Sua maior alegria “é ver os pais ajudando seus filhos a serem mais felizes”. Na luta pela preservação ambiental Engenheira agrônoma, fundadora da Funatura, uma das primeiras organizações não governamentais voltadas ao meio ambiente do Brasil, ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama ) e membro da comissão mundial de Parques Nacionais da International Union for Conservation of Nature (IUCN). Essas são apenas algumas das atividades que compõem o extenso currículo de Maria Tereza Pádua, que, como se não bastasse, é ainda uma flor: a orquídea Laelia purpurata Maria Tereza, batizada em sua homenagem. Com uma carreira construída desde o início na área ambiental, a engenheira tem em sua memória muitos feitos de que se orgulhar, mas um é especial para ela. “A minha gestão no Ibama foi a que mais criou Unidades de Conservação (UC)”, conta. A trajetória de sucesso, fazendo o que ama, é para ela um grande presente. “Fui uma das primeiras mulheres a atuar nessa área no Brasil. Me beneficiei um pouco disso, porque, cercada de homens, ser mulher facilitava o meu acesso àqueles que tomam as decisões. Mas também tive situações complicadas. Precisei carregar meus filhos para as UCs diversas vezes e meu primeiro casamento não resistiu às viagens e ausências”. Ainda assim, ela enfatiza que não há arrependimentos. Já se casou novamente e se declara feliz: “Passei a vida fazendo algo gratificante e que deixou um legado”. |
Fonte: Mercado Ético
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