As ilustrações feministas da designer gráfica Carol Rossetti trazem a ideia de que a sororidade é a saída para combater a opressão social e cultural que ainda atinge as mulheres Por Anna Beatriz Anjos e Isadora Otoni, da Fórum Semanal. Todas as ilustrações são de Carol Rossetti “Acredito que seja uma prioridade acabar com essa noção torta de que mulheres são necessariamente competitivas umas com as outras. Isso nos é ensinado e estimulado desde a infância, e devemos parar de incentivar esse pensamento”, explica a designer gráfica Carolina Rossetti. A tentativa de promover a sororidade e a compreensão às diferenças é um dos traços mais marcantes de seu trabalho, que reúne mais de 90 mil fãs na internet. Carol, como é conhecida nas redes sociais, tem 26 anos e vive em Belo Horizonte, mas suas ilustrações vão além: já ganharam o Brasil e outras partes do mundo. Entre os comentários postados em sua página oficial no Facebook, é possível encontrar alguns em inglês, espanhol e até em russo. Ela se esforça para que suas mensagens sejam lidas pelo maior número de olhares possível. Por isso, as escreve em vários idiomas. Críticas são sempre bem-vindas e atendidas, na maioria das vezes. “Eu retrato diversas situações que não vivo diretamente, de forma que preciso ser fiel ao sentimento de quem, de fato, vivencia o problema. A alteridade só me permite ir até certo ponto”, avalia Carol, que escolhe seus personagens e histórias a partir de situações por quais ela mesma ou amigos já enfrentaram. Desconhecidos também podem mandar suas sugestões. Ainda que defenda a subversão dos com padrões impostos socialmente às mulheres, seu trabalho não assume um tom de denúncia. “Tento provocar empatia através dos textos, uma vez que não escrevo em um tom agressivo, focando no sentimento da pessoa que vivencia determinada situação”, coloca. Confira, a seguir, a entrevista que Carol Rossetti deu à Fórum. Fórum – Por meio do seu trabalho, você tenta empoderar as mulheres. Acha que isso é “nadar contra a corrente”, frente aos diversos sites e páginas que lhes tentam impor padrões de beleza, relacionamento e comportamento? Carol Rossetti – Em parte, sim. Meu trabalho não deixa de ser uma resposta a todo um contexto de opressão a mulher. A palavra opressão muitas vezes sugere apenas uma situação de violência física baseada em estereótipos que estaria sempre distante da maioria das pessoas. Mas eu uso o termo em um sentido amplo, pensando em todas as formas culturais que se fortaleceram ao longo de muitos anos com o objetivo de limitar, controlar e restringir de tantas formas a liberdade pessoal de alguém, até que esta se tornasse invisível. Acho que isso aconteceu com a mulher e suas representações na mídia. As tantas matérias e artigos sobre beleza e comportamento, as temáticas restritas às páginas femininas (em geral, canais femininos tem como seções os tópicos beleza, comportamento, sexo e/ou relacionamento, moda, decoração e fofoca de celebridades. são os interesses aceitáveis socialmente para uma mulher), o patrulhamento sobre o corpo de mulheres famosas… Tudo isso torna comum, e portanto invisível, o que deveria ser visto como absurdo. A mensagem é que mulheres em qualquer ocasião podem e serão avaliadas pela sua aparência de acordo com o parâmetro surreal de beleza e comportamento defendido atualmente. Mas, por outro lado, eu não nado contra a corrente sozinha. A “contracorrente” vem se fortalecendo! Fórum – Por que você escolheu seguir pela linha da sororidade? Carol – Eu realmente acho o conceito de sororidade muito válido e muito forte. Acredito que seja uma prioridade acabar com essa noção torta de que mulheres são necessariamente competitivas umas com as outras. Isso nos é ensinado e estimulados desde a infância, e devemos parar de incentivar esse pensamento. Acredito, por outro lado, que muitas mulheres ainda se sintam desconfortáveis com a ideia porque o feminismo tradicional não costuma abarcar em sua luta questões como o racismo, a gordofobia e a transfobia. E são questões muito importantes na vida de muitas mulheres, que acabam por se sentir excluídas ou intimidadas pelo movimento. Eu proponho um conceito de sororidade para todas as irmãs, considerando as demandas que vão além do gênero. Fórum – Você acredita que algumas feministas deveriam ser mais flexíveis em relação a certos assuntos que parecem ser tabus para o próprio movimento – como, por exemplo, a prostituição – e também a pessoas que ainda não têm muito conhecimento sobre a luta? Carol – Eu acho que “as feministas” é gente demais. O movimento feminista não é uniforme, existem várias vertentes em constante transformação. Eu acho que é importante que todos tenham a mente aberta para pensar em certos assuntos além dos conceitos que já estão enraizados. A prostituição é um tópico que deve ser debatido. Acredito pessoalmente que, assim como o aborto, não é possível acabar com a prostituição, mas sua regulamentação pode dar mais qualidade de vida e segurança para os envolvidos. E isso deve ser debatido. Fórum – Qual a sua opinião sobre o papel dos homens no feminismo? Carol – Os homens não precisam se afirmar enquanto feministas uma vez que isso não tem o mesmo significado de empoderamento que tem para uma mulher. Não quero dizer que homens não possam ser feministas. Acredito que eles podem e devem ser aliados, mas devem falar de feminismo não para as mulheres, mas para outros homens. Mais do que falar, assumir a responsabilidade de colocar algumas coisas em prática. Fórum – Você retrata somente histórias reais? Como escolhe os casos que desenha? Carol – Nem sempre são diretamente baseados em pessoais reais, mas uma vez que sempre vejo pessoas se identificando, acredito que as situações sejam sempre reais para muita gente. Alguns casos aconteceram comigo, outros com pessoas próximas a mim, outros com relatos de pessoas desconhecidas que li pela internet. Hoje, recebo muitas sugestões bacanas, acho que este projeto não vai acabar nunca! Fórum – Reparamos que, quando seus desenhos recebem críticas construtivas, você as aceita e chega até a modificá-los de acordo com elas. Considera que isso faz parte do processo de fortalecimento e democratização do feminismo? Carol – Com certeza. Eu retrato diversas situações que não vivo diretamente, de forma que preciso ser fiel ao sentimento de quem, de fato, vivencia o problema. A alteridade só me permite ir até certo ponto. Não vejo problema nenhum em ouvir o que as pessoas tem a dizer e mudar o que precisa ser mudado. Fórum – De que maneira você busca romper com o feminismo dito de “classe média”, que leva em consideração apenas uma parcela das mulheres? Carol – Bom, primeiramente, eu tento trazer visibilidade a quem não se enquadra nessa minoria branca, jovem, magra, rica e sem deficiências físicas. Eu retrato mulheres nessas situações, às vezes falando especificamente sobre isso, as vezes não. E tento provocar empatia através dos textos, uma vez que não escrevo em um tom agressivo, focando no sentimento da pessoa que vivencia determinada situação. Acho que, em parte, isso vem funcionando. Fórum – Como sua carreira começou? De onde veio a ideia de retratar situações que envolvem preconceito e quebra de paradigmas? Carol – Minha carreira em si começou muito antes deste projeto. Já ilustrei um livro infantil e faço ilustrações com frequência nos projetos de design gráfico que faço com meus sócios no meu estúdio Café com Chocolate Design. Este projeto em particular começou coo um projeto pessoal, no qual eu queria apenas melhorar minha técnica com lápis de cor, e tive a ideia de escrever textos que fizessem as pessoas repensarem situações muito cotidianas. Mas nunca imaginei que fosse fazer tanto sucesso. Fórum – Pretende manter o foco apenas nas mulheres ou pensa em abranger outras minorias? Carol – Este trabalho é realmente apenas sobre mulheres, o que não significa que eu não possa abordar outras questões, como racismo, transfobia, homofobia, ableísmo etc. Fórum – Tendo em vista as eleições de outubro, acredita que as mulheres estejam bem representadas na política brasileira? Como vê a discussão dos direitos das mulheres no âmbito político? Carol – Não, as mulheres ainda compreendem acho que 9% da Câmara dos Deputados, é muito pouco. A política ainda é feita maioritariamente por homens e para homens. Existem movimentos e melhorias, é claro. Mas essa discussão ainda tem muito a crescer. Fórum – Você se sente representada pelos movimentos feministas que encabeçam a luta atualmente – como a Marcha Mundial das Mulheres e Marcha das Vadias? Carol – Acho que estes movimentos são muito importantes por vários aspectos, mas não tenho um movimento em particular que acho que me represente sempre, e não acho estes rótulos muito relevantes. O mundo está cheio de referências, não dá pra ficar preso a uma coisa só. Existe muita coisa para ser aprendida por aí. |
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Fonte: Portal Fórum
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