O governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) gastou 3% do valor previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA) para a implantação de Delegacias de Defesa da Mulher 24 horas (DDM) em 2023, ano que teve recorde de estupros e feminicídios registrados pela SSP (Secretaria da Segurança Pública) de São Paulo.
O Orçamento de 2023 disponibilizou R$ 24 milhões para a implantação das delegacias, mas apenas R$ 675,5 mil foram empenhados ao longo do ano. Os dados foram levantados pelo gabinete do deputado estadual Paulo Fiorilo, líder do PT na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo).
Em 2023, o estado registrou o maior número de feminicídios desde o início da medição, em 2018. Foram 221 mulheres vítimas ante 195 em 2022. As denúncias de estupro também atingiram o maior patamar desde 2002, com 14.504 boletins de ocorrência contra 13.240 no ano anterior.
“A execução orçamentária do Tarcísio mostra que ele não olhou para os mais vulneráveis, abandonou os que mais precisam e investiu em outras áreas. No caso das mulheres é mais grave ainda, porque elas têm sofrido com o aumento do crime”, afirma Fiorilo, opositor do governo.
A gestão anterior, de João Doria (ex-PSDB) e Rodrigo Garcia (PSDB), tampouco cumpriu a promessa nessa área, que era a criação de 40 novas delegacias da mulher 24 horas —entregou 11.
Em 2022, a LOA previa os mesmos R$ 24 milhões para a instalação das unidades, e a gestão tucana investiu efetivamente R$ 3,8 milhões (16%).
A SSP afirma que hoje o estado tem 140 delegacias da mulher, das quais 11 são 24 horas, além da DDM online e de 77 salas DDMs que funcionam 24 horas anexas ao plantão policial com atendimento por videoconferência. Também menciona o “projeto inédito de tornozelamento de agressores soltos em audiências de custódia” e o protocolo de combate à violência em estabelecimentos.
A pasta atribui a alta de registros de estupro a uma maior consciência das vítimas em denunciar, mas pondera que muitas vezes, quando o autor é conhecido, elas acabam se calando, o que prejudica o trabalho da polícia. Para especialistas, o tema não está circunscrito à atuação do estado na área de segurança, mas também na assistência social.
Ainda na segurança pública, o governador executou 63% da verba do programa de câmeras da PM —dos R$ 152 milhões previstos, foram empenhados R$ 95 milhões.
Tarcísio chegou a prometer na campanha eleitoral o fim do uso das câmeras nos uniformes de policiais e voltou atrás, mas, na prática, vem promovendo medidas que enfraquecem essa política.
O Orçamento de 2024 não destina verba alguma para o programa das câmeras. Ao longo do ano passado, o governo estadual descontinuou um estudo científico que havia mostrado impacto positivo das câmeras, congelou o planejamento para a compra de mais equipamentos, realocou os equipamentos para unidades que fazem policiamento de trânsito e reduziu a verba do programa.
Tarcísio já afirmou não ver efetividade no uso dos equipamentos para a segurança dos cidadãos, ainda que pesquisas mostrem que mortes de PMs e de suspeitos em abordagens policiais diminuíram nos batalhões que passaram a usar as câmeras.
No mês passado, o governo renovou por apenas seis meses o contrato que administra o uso das câmeras corporais.
Além das câmeras, Tarcísio não gastou a totalidade do previsto em inteligência policial, empenhando 71% de R$ 345 milhões.
A SSP afirma que 99% do Orçamento foi executado, com investimento em inteligência, profissionais, armamento e viaturas, o que levou à “menor taxa de homicídio da história”.
Em outra frente, Tarcísio também deixou de fazer o investimento estipulado pela LOA para ações de infraestrutura hídrica e combate a enchentes. De R$ 2,1 bilhões previstos, R$ 940 milhões (45%) foram empenhados.
Em fevereiro de 2023, um temporal no litoral norte deixou 65 mortos. Em novembro, alagamentos causaram ao menos seis mortes no estado.
No último ano da gestão tucana, R$ 1,7 bilhão foi gasto nessas ações (86% do previsto).
Em resposta à Folha, o governo diz ter investido 80% do Orçamento, ou R$ 1,2 bilhão, no enfrentamento às enchentes e que contratos de R$ 530 milhões, das barragens de Pedreira e Duas Pontes, “tiveram que ser rescindidos por paralisação das obras e descumprimento contratual”.
O estudo da liderança do PT mostra ainda que a pasta de Desenvolvimento Social teve defasagem de gastos em programas como Recomeço e Bolsa do Povo e em ações para a população em situação de vulnerabilidade.
O programa Recomeço, criado em 2013 pelo governo estadual e voltado para usuários de drogas, teve 74% da verba executada (R$ 64 milhões de R$ 86 milhões), considerando tanto as medidas que são de responsabilidade do Desenvolvimento Social como as da Secretaria da Saúde.
Ao contrário do que indica a execução orçamentária, contudo, o tema da cracolândia e da revitalização do centro é considerado prioridade no governo Tarcísio —é também uma área em que o Palácio dos Bandeirantes pode ajudar na campanha de Ricardo Nunes (MDB) à reeleição, e o governador já declarou apoio ao prefeito.
O governo afirma que ampliou o atendimento aos dependentes, passando de 4,3 mil para 7,5 mil acolhimentos terapêuticos em Espaços Prevenir, Casas Terapêuticas, de Passagem e nos Hubs.
Já o Bolsa do Povo, principal programa social de Doria, que inclui bolsas para estudantes, Vale Gás, Viva Leite e outros, foi descontinuado por Tarcísio, como mostrou a Folha. O governo usou a verba para pagar o aumento salarial do funcionalismo público e está reformulando o programa, mas não apresentou ações que o substituam.
Em 2023, Tarcísio gastou apenas 40% do que era esperado no Bolsa do Povo. Da mesma forma que as câmeras corporais, a verba prevista para o programa na LOA de 2024 foi zerada.
Dentro das ações de combate à pobreza, a que atende a população vulnerável, incluindo o programa Criança Feliz e o atendimento a mulheres vítimas de violência, teve 38% de execução.
O governo diz ter aplicado “R$ 700 milhões em programas voltados para segurança alimentar, além de repasses aos municípios para programas sociais locais”.
A assessoria de Tarcísio diz ainda ter executado 98% do Orçamento de 2023 “a despeito das adversidades econômicas do país”, além de ter atraído R$ 250 bilhões em investimentos privados, o que permitiu “honrar os compromissos” com a população.
Fonte: Folha de São Paulo