Apesar de representarem 51,1% da população brasileira, mulheres ocupam cerca de 18% dos cargos no Congresso Nacional, posicionando o país em 131º lugar entre 193 nações em termos de representatividade feminina, segundo a União Interparlamentar. Ficamos atrás apenas de Haiti e Belize na América Latina.
A posição relativa do país evidencia a disparidade de gênero no cenário político, no qual mesmo as legislações de cotas para candidaturas, introduzidas em 1997, não têm sido muito eficazes em mudar o cenário. Mas por que mesmo com tantos avanços na sociedade como um todo, a política segue tão resistente às mulheres em espaços de poder?
A investigação sobre a sub-representação feminina em posições de destaque muitas vezes sugere que as raízes do problema se encontram mais na concepção societal do poder do que nas diferenças (inerentes ou percebidas) de gênero.
Em “The Culture Map”, Erin Meyer, professora da Escola de Negócios do Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios, na sigla em francês), propõe algumas categorias para pensar as diferenças estruturais no funcionamento interno das culturas. Um dos eixos de comparação se dá entre culturas igualitárias ou hierárquicas.
Nas sociedades descritas por Meyer como igualitárias, a proximidade entre chefes e subordinados é mínima, promovendo uma liderança que se assemelha mais a um papel de facilitador entre pares do que a uma autoridade distante. Esses ambientes se caracterizam por estruturas organizacionais planas e uma comunicação que transcende as hierarquias tradicionais.
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Contrastando com esse modelo, encontram-se as hierárquicas, onde a distância entre líderes e subalternos é maior, e a figura do chefe é vista como um líder forte assertivo, com o statu desempenhando um papel central nas interações sociais e profissionais.
Neste debate, inspirando-se nesta dualidade proposta por Meyer, Alice Evans apresenta uma hipótese: a estrutura das sociedades influencia a capacidade das mulheres de alcançar cargos de liderança. Segundo esta hipótese, culturas que priorizam a igualdade proporcionam menor resistência para a ascensão de mulheres à posição de chefia.
Para Evans, é a rigidez das hierarquias em várias culturas que emerge como um dos principais desafios à liderança feminina. Afinal, nos ambientes fortemente hierárquicos a ascensão de pessoas de baixo status a posições de poder é vista não com naturalidade, mas como uma ameaça à ordem convencional.
Consequentemente, o contexto de resistência cultural a mudanças de hierarquia e de normas tradicionais de gênero acaba alimentando um terreno hostil para a sua inclusão em esferas decisórias.
Esses obstáculos não se restringem apenas às mulheres afetadas, mas também às organizações e à economia como um todo. Afinal, se pressões culturais e a escassez de incentivos e modelos femininos em posições de poder resultam na sua exclusão da disputa por cargos de destaque, o resultado é uma ineficaz distribuição de talentos na economia. Quando pensamos na política brasileira, é visível a dificuldade de renovação de quadros até mesmo em postos de direção partidária, geralmente herdados por laços familiares, mais do que pelo talento das lideranças.
Superar esses obstáculos envolve mais do que debater questões de gênero; exige uma análise crítica das bases institucionais que mantêm estruturas de poder inflexíveis e praticamente impermeáveis às transformações da sociedade. Isso implica em reformular as normas sociais que definem e regulam o status para transformar as estruturas existentes, visando uma inclusão autêntica. Assim, a liderança deve ser acessível com base nos talentos individuais e na contribuição para as organizações, e não somente por meio de conexões hierárquicas.
Para Evans, a transformação necessária para equilibrar a representatividade feminina em espaços de poder no Brasil demanda uma revisão fundamental da própria estrutura do poder. A evolução em direção a sociedades mais igualitárias, onde a gestão pode ser compartilhada e contribuições úteis são reconhecidas em seu próprio mérito, ofereceria um caminho possível para superar os obstáculos históricos que limitam a participação das mulheres.
Isso implica não apenas reconhecer as contribuições únicas que as mulheres trazem para a mesa, mas também desmantelar as normas e práticas que sustentam barreiras de participação. Fazendo isso, poderíamos aspirar a uma sociedade onde o gênero não seja mais um fator limitante para alcançar o potencial de liderança, pavimentando o caminho para uma governança mais eficiente e eficaz.
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Fonte: Folha de São Paulo