Com o PLP 2.0, a tecnologia envolve o Poder Judiciário e as promotoras legais populares para formar uma rede de solidariedade e segurança para as mulheres que buscam romper o ciclo de violência. Sob a forma de um aplicativo para celulares, o mecanismo começa a ser testado em São Paulo e Rio Grande do Sul e pode se tornar uma poderoso aliado contra a violência doméstica e familiar O chamado PLP 2.0 propõe usar a tecnologia da informação como articuladora de uma rede de solidariedade e segurança que esteja próxima a mulheres vítimas de violência, conforme apontam as duas organizações da sociedade civil responsáveis pelo desenvolvimento da ferramenta, o Geledés – Instituto da Mulher Negra e a Themis – Gênero, Justiça e Cidadania. Desenvolvido com uma tecnologia que indica a localização da pessoa que aciona o dispositivo, a ideia é que, quando acionado, o aplicativo dispare um alerta aos serviços de Segurança mais próximos da mulher que recorreu à ferramenta para pedir ajuda. Ao mesmo tempo, as chamadas promotoras legais populares – lideranças comunitárias que recebem um treinamento em direitos fundamentais e das mulheres para atuar na sua região – mais próximas também são avisadas sobre o alerta disparado, além de pessoas que podem ser cadastradas pela própria vítima como sendo de sua rede de apoio pessoal. “A pessoa que decide denunciar não pode estar só, ela tem que contar com a sociedade e com o Estado. O aplicativo tem dupla função: avisar os serviços de Segurança que a mulher está em risco e ajudá-los a identificar quais casos são prioritários e, ao mesmo tempo, chamar imediatamente as promotoras legais populares próximas”, explica a advogada e presidente da Themis – Gênero, Justiça e Cidadania, Denise Dora. Além de incidir nessa frente, o aplicativo aciona também o microfone do celular para gravar o som ambiente, registrando o que acontece desde que o alerta foi dado, para eventual configuração de prova em processo penal. A primeira versão do PLP 2.0 já está funcionando em caráter experimental no Rio Grande do Sul, em parceria com o Tribunal de Justiça do Estado (TJRS) e foi lançado na sexta-feira (22/08) em São Paulo, durante um evento promovido pela Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário do Estado de São Paulo (Comesp) para comemorar os oito anos da Lei Maria da Penha. “Estamos oferecendo esta ferramenta para os operadores da Justiça e da Segurança Pública para que avaliem a pertinência e a possibilidade de essa tecnologia ser incorporada e sua capacidade de potencializar o atendimento mais rápido e mais eficaz para mulheres em situação de violência”, aponta a coordenadora executiva do Geledés – Instituto da Mulher Negra, Sueli Carneiro, que destaca que um dos grandes obstáculos para romper o ciclo de violência é justamente a solidão da vítima de abusos diários, que se vê muitas vezes isolada com seu agressor. O mecanismo é semelhante ao de ações já adotadas por outros tribunais para garantir a fiscalização de medidas protetivas expedidas para proteger a vida de mulheres que denunciam seu agressor, como o Botão do Pânico do TJES, com a vantagem de estar disponível gratuitamente, para qualquer celular smartphone (por hora em fase de teste para aparelhos que dispõem do sistema operacional Android e em breve também para a plataforma IOS, usada em Iphones). A proposta, porém, requer a superação de obstáculos que, passados oito anos da Lei Maria da Penha, ainda desafiam os operadores dos sistemas de Segurança e Justiça na garantia dos direitos das mulheres: a atuação integrada de diversos atores e o acompanhamento de medidas protetivas de urgência, para garantir sua efetividade em proteger a vida da mulher. Sociedade civil e Estado unidos contra a violência No Brasil, apesar dos avanços, a violência de gênero ainda está muito arraigada nas relações domésticas, conforme contextualiza a desembargadora Angélica de Maria Mello de Almeida, coordenadora da Comesp. “Não é dada à mulher, por exemplo, a escolha de romper um relacionamento amoroso, pois isso, muitas vezes, pode custar violações reiteradas a sua integridade ou mesmo à sua vida. As próprias mulheres, muitas vezes, sentem dificuldade, constrangimento ou mesmo medo em tornar pública a violação de direitos sofrida”, cita. Nesse contexto, a desembargadora é enfática: a violência contra a mulher exige uma intervenção conjunta entre Poder Judiciário, órgãos públicos e entidades privadas não-governamentais que atuam nessa frente. “O acesso à Justiça deve ser cada vez mais aperfeiçoado, pressupondo a participação da sociedade civil”, avalia. Nesse sentido, para a magistrada, a sociedade e os poderes públicos ganham com o PLP 2.0 e com o aumento de eficácia que o aplicativo pode trazer para as promotoras legais. “As promotoras legais têm uma história de luta que não é de hoje e já fazem essa proteção, ou essa tutela, no meio social em que vivem e que é extremamente importante. São líderes comunitárias que prestam um trabalho da maior relevância para a sociedade e que estão perto da mulher vítima de violência doméstica e familiar”, considera. Perspectivas A ideia, com a aproximação com o Poder Judiciário de São Paulo e Rio Grande do Sul, é que o aplicativo seja fornecido para as mulheres pelo próprio juiz nas audiências das Varas e Juizados Especializados. “No âmbito do Estado temos conversado com a Corregedoria do TJRS e estamos na fase de construir um protocolo para montar um grupo operacional e fazer um teste da ferramenta no Juizado de Violência Doméstica de Porto Alegre a partir de setembro. Também começamos a conversar com a Secretaria de Segurança Pública e vamos conectar o aplicativo aos Centros Integrados de Segurança Pública estruturados para a Copa do Mundo, que são sedes com um bom sistema de informação e que permitirão que a informação seja rapidamente distribuída às Patrulhas Maria da Penha. Assim, com a Patrulha conectada ao aplicativo, nossa ideia é que isso não só agilize o atendimento, como ajude a organizar e crie uma certa lógica no trabalho para priorizar os casos mais urgentes”, conta a presidente da Themis, Denise Dora. Em São Paulo, por sua vez, as juízas integrantes da Comesp devem adotar a tecnologia no dia a dia das Varas e Juizados Especializados. “O que pretendemos, em princípio, é orientar as mulheres durante as audiências e já neste dia elas terão o aplicativo instalado no seu celular”, afirma a juíza Elaine Cristina Monteiro Cavalcante, titular da Vara do Foro Central da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e integrante da Comesp. Para ela, o aplicativo é um ganho na aplicação da Lei Maria da Penha, “na medida em que a mulher, em situação de emergência, pode com um simples movimento do telefone acionar aquelas pessoas que ela cadastrou como contatos ou as próprias promotoras legais populares para que a ajudem e a socorram naquele momento. Paralelamente a isso, numa segunda fase do projeto, as mulheres poderão acionar diretamente a Policia para que a mesma já atenda a ocorrência”, considera. A ferramenta pode se tornar ainda uma aliada na fiscalização das medidas protetivas de urgência. “A mulher recebe a medida protetiva e, muitas vezes, não sabe como agir em caso de o agressor se aproximar ou se ele descumprir qualquer tipo de ordem judicial concedida liminarmente. Nesse caso, será acionada a Polícia Militar e a Guarda Civil Metropolitana e ela será atendida de imediato. Isso também é importante no desenrolar do processo, porque o descumprimento de medida protetiva dá causa à decretação de uma medida cautelar mais grave, como a prisão preventiva do agressor”, complementa a juíza Maria Domitila Prado Manssur Domingos, também integrante da Comesp. A perspectiva, segundo a advogada Denise Dora, é testar a tecnologia nesses dois Estados e promover os aperfeiçoamentos necessários neste ano. Em 2015, a expectativa é oferecer o PLP 2.0 para outros Estados, por meio de uma aproximação com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “O CNJ é o órgão responsável pela supervisão da Justiça em todos os tribunais do país; então ele tem todas as condições de recomendar aos tribunais que usem o aplicativo e esse é o caminho que pretendemos seguir. Esse é um aplicativo que pode ser usado em qualquer lugar do mundo que tenha algum Juizado de Violência contra as mulheres e uma rede de movimento de mulheres”, detalha. Por Débora Prado e Tainah Fernandes |
Fonte: Portal Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha
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