Estudo inédito do Instituto Alziras revela que ainda são necessárias medidas urgentes para garantir eleições mais seguras para as mulheres
Por : Manuela Azenha
Apenas 7% das representações de violência política de gênero e raça no Brasil resultaram em ações penais eleitorais até janeiro de 2024, aponta estudo inédito do Instituto Alziras, lançado nesta terça-feira (27). A pesquisa, que analisa 175 casos monitorados pelo Grupo de Trabalho de Prevenção e Combate à Violência Política de Gênero (GT-VPG), do Ministério Público Federal, destaca a necessidade de aprimorar os mecanismos de proteção para as mulheres na política brasileira.
“A nossa análise mostra que a aprovação da Lei de Violência Política de Gênero é um avanço, porém ainda insuficiente para garantir os direitos políticos das mulheres Precisamos de medidas eficazes para promover justiça e proteção, especialmente em ano eleitoral”, explica Tauá Pires, Diretora do Instituto Alziras e coordenadora da pesquisa.
O Monitor da Violência Política de Gênero e Raça é uma ferramenta desenvolvida pelo Instituto Alziras para acompanhar a implementação da lei, aprovada em 2021. Entre os casos analisados, todas as vítimas das ações penais ajuizadas eram mulheres eleitas, enquanto 92% dos acusados eram homens, dos quais 62% eram brancos. Além disso, metade dos episódios de violência ocorreu em ambiente parlamentar.
O estudo também aponta que uma a cada três dessas ações não foram corretamente classificadas como violência política de gênero no sistema de Processo Judicial Eletrônico, comprometendo a identificação adequada dos processos e a produção de estatísticas mais precisas.
Até janeiro de 2024, das 12 ações penais eleitorais ajuizadas pelo crime de violência política de gênero, nenhuma havia tido seu julgamento concluído em definitivo. Oito julgamentos ainda estavam em andamento, duas haviam recebido sentenças – uma de condenação e outra de absolvição —, ambas ainda passíveis de recurso. E outras duas ações tiveram suspensão condicional do processo, ou seja, quando o acusado é réu primário, com pena de até um ano, há a possibilidade de celebrar um acordo judicial com o Ministério Público que leva à extinção do processo, sem necessidade de cumprimento de pena ou registro na ficha criminal.
Recomendações
O relatório também analisa como as casas legislativas estaduais e federais lidam com a violência política de gênero e raça, por meio da atuação das Procuradorias Especiais da Mulher. O estudo apresenta uma série de recomendações para fortalecer a proteção das mulheres em ambiente parlamentar, como a eleição de procuradoras da mulher por seus pares (somente parlamentares femininas) nas casas legislativas, para conseguir atuar de forma mais autônoma. A pesquisa destaca que em metade das procuradorias analisadas, a composição dessa estrutura é feita por indicação unilateral do presidente da casa, papel desempenhado por um homem na amplíssima maioria do poder legislativo brasileiro.
“É fundamental a pactuação e sistematização de fluxos organizados entre os diferentes atores para registro e encaminhamento das denúncias recebidas, tendo em vista os papeis e atribuições institucionais dos diferentes órgãos envolvidos na apuração dos casos, na proteção das vítimas e na responsabilização dos agressores” , conclui Michelle Ferreti, Diretora do Instituto Alziras e coordenadora da pesquisa.
Sub-representatividade feminina
As mulheres ocupam apenas 12% das prefeituras e 16% dos assentos nas câmaras de vereadores do país atualmente. Estima-se que, no ritmo de crescimento desses indicadores, levaremos 144 anos para alcançar a paridade de gênero no Poder Executivo municipal. Em 2024, apenas 9% da população brasileira conta com uma prefeita no comando de seu município, um crescimento de dois pontos percentuais em relação a 2016, quando esse índice era equivalente a 7%.
O quadro é ainda mais grave ao analisarmos esses mesmos dados com enfoque racial. Em um país de maioria negra e onde mais de um quarto da população é de mulheres negras, elas governam apenas 4% das cidades, onde vivem somente 3% da população. Nas casas legislativas, as vereadoras negras são apenas 6% do total de pessoas eleitas.
Dados demonstram que 58% das prefeitas brasileiras em exercício afirmam já ter sido vítimas de violência política de gênero, um aumento de 5 pontos percentuais em relação às governantes do mandato anterior. Além disso, 66% afirmam ter sido alvo de ataques, ofensas e discurso de ódio nas redes sociais durante a campanha política de 2020.
Do mesmo modo, 98% das parlamentares negras candidatas nas eleições de 2020 também sofreram violência política de gênero e raça, como aponta pesquisa realizada pelo Instituto Marielle Franco. Outro relatório6 sobre violência política no ambiente digital revela que, apesar das candidaturas de ambos os sexos serem alvo de agressões nas redes sociais durante as eleições de 2020, os homens são atacados pelo que dizem, enquanto as mulheres são atacadas pelo que são. Para ofender as mulheres, os agressores frequentemente apelam a estereótipos estigmatizantes vinculados ao corpo, à sexualidade, à estética e à beleza.
Na medida em que a presença das mulheres na política vem aumentando, a violência política contra elas também avança. E esse é um fenômeno mundial. Estudo realizado pela União Interparlamentar por meio de entrevistas com 55 mulheres no legislativo de 39 países indica que 82% das parlamentares já vivenciaram violência psicológica ao longo de sua trajetória política; 44,4% sofreram ameaças de morte, estupro, agressão física ou sequestro; 25,5% foram vítimas de agressões físicas no espaço parlamentar e 21,2% já sofreram assédio sexual.
Fonte : Marie Claire