Em entrevista à Secretaria Nacional de Mulheres do PSB, a assessora de Relações Internacionais do partido, Yara Gouvêa, fala sobre extrema direita, desmantelamento de conquistas, cidadania e a luta das socialistas perante a tantos desafios
Yara Gouvêa na sede do partido, em entrevista à SNM, discorre sobre os desafios de se combater os retrocessos. Foto: Assessoria
Sobre extrema-direita, conservadorismo e perda das conquistas.
A extrema-direita está tentando – e eu ainda digo tentando – dominar o planeta. Não é coisa só do Brasil, é planetário.
Nós temos a interrupção de uma série de conquistas que haviam sido adquiridas desde a Revolução Francesa, quando se começou as bases do que permeou um pouco as nossas sociedades do século XVIII, XIX, XX e agora XXI. As questões de justiça social, fraternidade e igualdade, as conquistas sociais feitas pelos então partido socialistas, no intervalo entre primeira e segunda guerra mundial.
Essas conquistas sociais vão diminuindo o número de horas de trabalho semanal, dando direito a férias, aposentadoria. Tudo isso não existia antes da Segunda Guerra Mundial. E essas conquistas hoje em dia estão muito ameaças.
Sobre a dívida pública do Brasil e a inteligência artificial.
Quando você faz uma análise da dívida pública brasileira nós estamos pagando contas que foram feitas no tempo do Brasil Império. E essa dívida o povo brasileiro já pagou há muito tempo. Mas o sistema financeiro se organizou de uma forma que faz com as dívidas tornam-se impagáveis.
Seremos sempre endividados, escravos do capital financeiro que só beneficia o capital financeiro internacional. É por isso que 1% da população detém 90% da riqueza mundial. Essa é a verdadeira luta que nós temos que ter hoje: a luta contra um sistema financeiro imundo, explorador.
O pensamento do meio financeiro internacional e a inteligência artificial vão fazer com que as grandes camadas da população mundial sejam desnecessárias. O meio financeiro internacional é favorável à extinção de grandes massas populacionais. Elas não são necessárias ao capital.
Essa massa ignorante será substituída. No pensamento deles – os que integram o capital – a inteligência artificial vai substituir essa mão de obra. A agricultura vai ser toda mecanizada, o comércio será todo robotizado. Você não terá mais caixa em supermercado. Aliás, você não irá mais fazer suas comprar. Um drone vai deixar suas compras na porta do prédio que você vive.
Quem tem tempo, lê e sabe sobre isso. A nossa grande questão hoje é o tempo. Quem tem tempo de fazer um pouco de leitura se informa. Acontece que eles estão inundando tanto as nossas vidas, que nos resta pouco tempo para que se possa analisar tudo isso.
Sobre o direito à cidadania
No governo Dilma ela chegou a dizer, certa vez, que toda brasileira tinha direito a ter um carro. Você não caminharia mais nas ruas. O carro andaria a 10 km/h. Todo brasileiro deve ter, sim, direito à educação e saúde públicas de qualidade, ao transporte público de qualidade.
A coletividade tem que primar sobre o individualismo. Nós não vivemos sozinhos no mundo para ter cada um o seu carro, seu barco. Nós vivemos em sociedade. Mas, querer priorizar carro? O público tem que ser de qualidade. Isso é governança. Não é só dar acesso ao consumo; é o acesso à cidadania. E cidadania significa isso que eu acabei de dizer.
Sobre o papel das socialistas contra os retrocessos
A resposta para isso são as últimas manifestações do 8 de março na maioria dos países latino-americanos. Nunca antes nós tínhamos visto uma tal quantidade de mulheres nas ruas. Então, o grande papel das mulheres socialistas, nesse processo, é o de pressionar a sociedade latino-americana, que é profundamente machista, e o presidente brasileiro, encarna esse machismo.
O poder para os homens se mede com o fato de se ter, ou não, o órgão masculino. Este é o poder para eles. E esse poder ser desacatado de uma forma ou de outra, seja através da concessão da paridade, seja através de qualquer tipo de liberdade ou igualdade que a mulher queira ter significa para eles um atentado a essa soberania, que só se manifesta através do órgão sexual. Porque, intelectualmente, não há nenhuma diferença entre um homem e uma mulher.
Agora, a grande frase que deve imperar entre homens e mulheres é “respeite a minha diferença”. O homem deve respeitar as diferenças que toda mulher possui e as mulheres devem respeitar as diferenças que eles possuem. Aí você trata de todas as outras questões com uma facilidade incrível. A paridade, a igualdade salarial, a divisão do trabalho doméstico.
Mas a questão das mulheres está avançando na América Latina. Elas deram grandes passos, com boa capacidade de mobilização, e vemos trabalhos extraordinários sendo feitos. Mas existe, ainda, um grande caminho a ser percorrido, enquanto vigorar esse pensamento machista que ainda está vigente na sociedade.
E a mulher colabora muito para a sobrevivência do machismo quando ela se coloca em posição de inferioridade. Ela não sabe o que é o diálogo. Ela ainda não sabe fazer imperar essa palavra: respeito. E essa consciência a gente tem que levar para as mulheres. Esse trabalho nós devemos fazer junto às mulheres.
Isso é dar acesso à cidadania. Dizer para ela “você é mulher cidadã”. E mulher cidadã tem que ter consciência dos seus direitos. E não endeusar o ‘maridão’. E não pensar que você é dependente de um certo tipo de homem para ser feliz. Para ser feliz, você precisa ter na sua frente, um ser que te respeite. E que olhe em você uma mulher. Com tudo que você precisa. E não como um objeto para a realização dos desejos dele.
Estou falando isso inclusive do ponto de vista sexual. Porque, em geral, o homem vê a mulher apenas como objeto de desejo. Mas a realização dos desejos dele, e não dos desejos dela. E ela tem que ser consciente disso. E nós temos que falar sobre isso. Daí, a importância da educação sexual. A importância de se ter um diálogo aberto. Com a menina e com o menino. A educação das diferenças é a educação do respeito.
Sobre o deputado federal Alessandro Molon [RJ] para a nova gestão da CSL
Estamos trabalhando bastante. Temos a plena consciência de que esse momento que estamos vivendo nós, socialistas e integrantes da CSL, não conseguimos até hoje dar as respostas necessárias a todas as questões que levantamos hoje. E nós precisamos ter essas respostas. Molon tem consciência disso.
Nós estamos procurando nos fortalecer mais a nível internacional. Estamos programando uma série de encontros, tanto na América Latina quanto a nível internacional. É preciso pensar junto, coletivamente. O deputado Molon teve um encontro com a deputada Alexandria Ocasio-Cortez, uma socialista norte-americana que está fazendo um trabalho bastante interessante nos EUA. Grande opositora à política do Trump. Temos que agregar forças, temos que ter os mesmos desafios e enfrentar esses desafios. Sobretudo, nós temos que ter a capacidade de criar uma nova utopia, que possa mobilizar toda juventude do nosso país, da América Latina, do norte da Europa e todos os países do nosso planeta terra, nossa mãe Gaia.