Apesar do reconhecimento científico internacional de que as mulheres são afetadas de maneira desproporcional pela mudança climática, os avanços para reconhecer sua importância durante as negociações climáticas que acontecem em Lima são escassos e existem ameaças de retrocessos.
“Nos documentos há referências a gênero, mas a linguagem empregada é fraca, por isso queremos empurrar com mais força a igualdade de gênero, em lugar do desequilíbrio de gênero”, explicou à IPS a nepalesa Mrinalini Rai, conselheira em temas de gênero e populações indígenas da Global Forest Coalition. Rai criticou a pressão de alguns governos, encabeçados pela Arábia Saudita, de eliminar de textos da 20ª Conferência das Partes (COP 20) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (CMNUCC) o termo igualdade de gênero, conjurado por outro grupo impulsionado pelo México. A COP 20, que acontece na capital peruana desde 1º deste mês e que termina hoje, dedicou a jornada do dia 9 ao Dia do Gênero, como espaço para refletir sobre o papel que devem ter as mulheres nas negociações climáticas, entre crescentes correntes conservadoras sobre o tema. Rai destacou que “a maneira como as mulheres mitigam e se adaptam à mudança climática é diferente da dos homens, por isso, quando dizemos que queremos igualdade de gênero, significa que queremos garantir os direitos das mulheres em todas as negociações e em todos os documentos. O mais importante não é o que dizem os documentos em seus textos, mas o que isso implica para as mulheres em suas vidas, fora dos salões de negociação. Para Rai, não se trata só de “reconhecer as diferenças”, mas que a linguagem “seja uma maneira para pressionar em políticas que cheguem ao terreno”. A ativista nepalesa trabalha com comunidades indígenas na Tailândia, onde constatou os impactos desproporcionais que sofrem as mulheres pela mudança climática, por estarem na primeira linha na batalha cotidiana contra o fenômeno, enquanto contam com menos capacitação e menos reconhecimento de seus direitos do que os homens. Nas montanhas da Bolívia as mulheres da comunidade de Cebollullo, no departamento de La Paz, também sentem de perto o impacto da mudança climática em seu trabalho. “Nos sentimos marginalizadas e a experiência que tive é que as mulheres estão sofrendo muito pela mudança climática. Está nos afetando, o campo e a produção. Já não se sabe quando é cada estação e por isso viemos até Lima”, contou a líder dessa comunidade rural e indígena, Bertha Guarachi. Em nível mundial, um estudo do Instituto de Desenvolvimento Alemão concluiu que as mulheres produziam entre 60% e 80% dos alimentos colhidos nos países em desenvolvimento. Mas, por outro lado, a pesquisa de 2009 evidenciou que somente 10% delas eram proprietárias das terras agrícolas e de cerca de 2% dos títulos de propriedade. Isso significa que, se chegarem fundos de cooperação ou doadores para aliviar problemas de vulnerabilidade climática em certas regiões agrícolas, é mais provável que o dinheiro acabe nas mãos dos homens donos das terras, do que na das mulheres que trabalham nelas, acentuando ainda mais a desigualdade de gênero e os desafios diante do aquecimento global. “A mudança climática não é somente um tema científico. Também é o modo como afeta os seres humanos e aí, em particular, as mulheres”, observou à IPS a especialista Elena Villanueva, do Programa de Desenvolvimento Rural do Centro Flora Tristán, que trabalha o cruzamento entre gênero e mudança climática no Peru. Das três convenções criadas na Cúpula da Terra, realizada no Rio de Janeiro em 1992 – Convenção Contra a Desertificação, Convenção da Biodiversidade Biológica e CMNUCC –, só esta última não incorporou o tema de gênero integralmente, segundo a Aliança Global em Gênero e Clima. Mas, durante a reunião de alto nível Homens e Mulheres Tomando Ação em Igualdade de Gênero e Mudança Climática: Quanto Avançamos?, no dia 9, também houve reconhecimentos do progresso nos últimos 20 anos em um trato mais justo em relação às mulheres dentro da CMNUCC. “Estive como funcionária jovem do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) em Pequim, na conferência de 1995, e naquele momento era revolucionário falar que os direitos das mulheres também eram direitos humanos”, afirmou no encontro Susan McDade, subdiretora dessa agência da ONU para a América Latina. “Agora, ninguém coloca isso em dúvida, o que me deixa otimista. Também estive no Rio de Janeiro e vejo o progresso. Quando vejo as negociações climáticas, sei que também terão que se mover para a equidade”, assegurou a alta funcionária do Pnud. Essa percepção contrasta com a pressão da Arábia Saudita e de outros governos para eliminar a linguagem de gênero mais progressista, que tem sido geral em Lima. Assim ocorreu durante o debate sobre como gerar iniciativas futuras que permitam abrir a discussão científica e política sobre gênero em todo o mundo. “Nessa resolução havia uma lógica de frear as palavras igualdade de gênero e trocá-las por equilíbrio ou balanço de gênero, que não é o mesmo”, reconheceu Roberto Dondisch, diretor-geral de Temas Globais da chancelaria do México. “Para nós, a igualdade de gênero é muito importante e é algo que não é novo, que se estabeleceu desde a COP de Cancún (2010), então, não podíamos permitir ir para trás”, acrescentou. Segundo a Aliança Global de Gênero e Clima, que acompanha as negociações relacionadas com assuntos de gênero, a defesa do México conseguiu manter o termo “equidade de gênero”, mas com variações. Ana Rojas, representante na COP 20 da Aliança, ooinou à IPS que o texto perdeu força, pois “não ficou equidade como tal. Ficou algo um pouco mais além de equilíbrio e uma menção de equidade de gênero, mas adequada ao contexto cultural”, o que permitiria que cada país a interprete à sua maneira, pontuou, em uma versão corroborada por outros participantes dos debates. A falta de profundidade nos conteúdos também reflete em uma participação menor de mulheres em espaços decisivos dentro da Convenção. Uma análise divulgada no começo do mês pela Organização Nacional de Mulheres Indígenas Andinas e Amazônicas do Peru identificou a disparidade de gênero em organismos de alto nível da CMNUCC. O informe mostra que, de 126 membros em seis desses órgãos, como o Comitê de Finanças e o Comitê de Adaptação, três quartos são homens. De fato, apesar das afetações desproporcionais da mudança climática sobre as mulheres e a potência que elas têm como agentes de mudança climática, a inclusão formal do gênero nas negociações climáticas das Nações Unidas data de apenas 2007. Antes, nos textos das negociações não havia uma única menção de gênero, afirmaram ativistas. |
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Fonte: Envolverde/IPS
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