*Por Jarid Arraes
* Este conteúdo é de responsabilidade do autor, não necessariamente expressa a opinião do PSB.
No último domingo (26), aconteceu a 1ª Marcha do Orgulho Crespo em São Paulo. Nas redes sociais, muitos se sentiram desconfortáveis com a afirmação de “orgulho crespo” e pensam ser algo, no mínimo, desnecessário. Mas será que é mesmo? Para descobrirmos, vamos destrinchar alguns dos relatos e argumentos que rolaram no evento:
O cabelo crespo na infância
Os depoimentos são, na maioria das vezes, muito parecidos: meninas e meninos que, desde a infância, ouvem e aprendem que seus cabelos naturais não devem ser mostrados ao mundo. Para escondê-los, vale desde a máquina para raspar a cabeça, no caso dos garotos, até os coques que puxam todo o cabelo para trás, como numa tentativa de torná-lo invisível. Muitas meninas têm seus cabelos alisados desde os cinco, ou até três anos de idade – algo que já acontecia há décadas, quando as técnicas de alisamento eram muito mais invasivas e nocivas do que as que são utilizadas hoje.
Muitas gerações nasceram e cresceram ouvindo, o tempo inteiro, que seus cabelos eram “ruins”, “duros” e com “aspecto sujo”. Qualquer pessoa que se desenvolva sob afirmações tão hostis pode ter problemas profundos de autoestima. O preconceito contra os cabelos crespos é algo que machuca desde a infância.
O cabelo crespo na mídia
Nos últimos meses, algumas propagandas de produtos de cabelo começaram a perceber a existência dos cabelos crespos de uma forma positiva. Antes, nas raras vezes em que os cabelos crespos apareciam, a mensagem era sempre a mesma: “dome seu cabelo”, “desapareça com esse volume” e, claro, “alise”. Na verdade, ainda hoje é possível ver propagandas de chapinhas e escovas elétricas que mostram mulheres com cabelo crespo exibindo expressões tristes para logo em seguida se tornarem sorridentes ao terem seus fios alisados.
A maioria das atrizes, apresentadoras de televisão, jornalistas e outras diversas profissionais que estão na mídia também possuem cabelos lisos. Seja porque são mulheres de cabelos lisos naturais ou porque alisam o cabelo. Jornalistas como Maju ainda são raras exceções. Os homens, na maioria das vezes, estão com os cabelos raspados. Enquanto homens de cabelo liso podem deixar seus cabelos crescerem alguns centímetros, para os homens de cabelo crespo a opção dominante é a máquina quase no zero.
O cabelo crespo no mercado de trabalho
A ideia da “boa aparência” ainda está firme e forte na nossa cultura. Na prática, as empresas selecionam seus profissionais também pela aparência física que possuem; e numa cultura que está o tempo todo afirmando os cabelos lisos como bonitos e associando os cabelos crespos com adjetivos ruins, não é difícil concluir que pessoas de cabelo crespo encontram mais dificuldades nas entrevistas de emprego e contratações.
Basta procurar na internet por casos de pessoas que foram discriminadas e coagidas a cortarem ou alisarem seus cabelos crespos naturais. Infelizmente, isso é algo muito fácil de encontrar. Para o mercado de trabalho, o cabelo crespo ainda representa uma impressão de falta de cuidado e higiene. E isso é preconceito.
O cabelo crespo e o racismo
No fim das contas, os pontos citados anteriormente chegam em um problema em comum: o racismo. O cabelo liso associado, na maioria das vezes, às pessoas brancas, europeias e loiras é valorado como belo, elegante e saudável. Mas o cabelo crespo, sobretudo o que não forma cachos, recebe toda a carga do racismo imposto às pessoas negras, como se qualquer “lembrança” da negritude de alguém precisasse ser prontamente eliminada.
É o racismo o responsável pela baixa presença de profissionais negros em posição de destaque, pelas propagandas que vendem produtos somente para cabelos lisos ou alisados e até mesmo pelos constrangimentos e agressões que as pessoas de cabelo crespo sofrem desde a mais tenra infância.
Por isso, para que essas e outras questões sobre os cabelos crespos possam ser discutidas e melhor compreendidas, refletir sobre as táticas do racismo e sobre o modo como ele se camufla é imprescindível. Ainda precisamos de marchas, eventos e pessoas que afirmem o orgulho crespo, pessoas que mostrem o quanto amam seus cabelos e o quanto enfrentam diariamente o preconceito que sofrem por deixarem seus cabelos naturais crescerem livres.
É muito perturbador o fato de que uma característica natural que nasceu com uma pessoa e faz parte de sua constituição biológica ainda pode ser tão repudiada. Muitos ainda não conseguem enxergar a gravidade do problema, mas a galera que organizou a 1ª Marcha do Orgulho Crespo está bem disposta a explicar.
*Jarid Arraes é colunista na Revista Forum, feminista e ativista pelos Direitos Humanos.