O ano de 2014 registrou um recorde: pela primeira vez, houve 25 mulheres no comando de países ao redor do globo (não necessariamente ao mesmo tempo), em praticamente todos os continentes. O levantamento, feito por Opera Mundi, revela que este número é mais do que o dobro de 1990, quando o mundo sentia os efeitos da queda do Muro de Berlim. Naquela época, 12 mulheres chefiavam Estados – a maioria, na Europa.
A mais nova líder a entrar para o clube é Kolinda Grabar-Kitarovic, que toma posse no dia 18 de fevereiro na Presidência da Croácia. Além dela, a bióloga Ameenah Gurib-Fakim assume o comando das Ilhas Maurício, na África, este ano. Com elas, o número de mulheres presidentes e primeiras-ministras em 2015 chega a 20. Algumas delas são longevas no cargo – caso da chanceler Angela Merkel, da Alemanha, que está no poder há dez anos, e da presidente Cristina Kirchner, da Argentina, que completa oito em 2015, último do segundo mandato. É importante dizer, no entanto, que líderes mulheres são minoria no mundo: neste ano, são 20 em um universo de 191 países (que fazem parte das Nações Unidas) – ou seja, apenas 10,5% das nações têm uma liderança feminina. A conta exclui monarcas (como a do Reino Unido, Elizabeth II, e a da Dinamarca, Margareth II) e governadoras-gerais (que representam a monarquia britânica nas antigas colônias, mas não têm poder executivo). Efeito “Tem um efeito simbólico que as mulheres ocupem algum cargo”, afirma a socióloga Clara Araújo, da pós-graduação em ciências sociais da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Desigualdade e Relações da universidade. “Vai perdendo um pouco aquela ideia de excepcionalidade. A competência passa a ser medida por outro parâmetro.” “É um avanço, e eu acho que tem a ver basicamente com movimentos feministas”, diz Carla Cristina Garcia, professora do departamento de sociologia da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). “Mas a nossa luta não está nem no começo. Um governo não se faz só com presidentas: se faz com senadoras, deputadas, vereadoras.” Apesar de reconhecer os avanços, Garcia é categórica ao afirmar que o maior número de líderes femininas não representa uma retração do machismo. “Mesmo que você tenha mulheres presidentas, não há representação nos outros poderes, que é onde as coisas acontecem. A política continua sendo machista”, diz. “Não é ter uma mulher [no cargo mais alto] que faz você ter um governo com pautas [feministas].” E, apesar de três dos principais países da América do Sul serem liderados por mulheres (Dilma Rousseff no Brasil, Cristina Kirchner na Argentina e Michelle Bachelet no Chile), isso não significa que eles sejam menos machistas. “A gente pode falar sim de formas preconceituosas, discriminatórias. Mas o preconceito não é aberto, é velado”, diz Araújo. Garcia vai além, no caso dessas três líderes. “Quais são as agendas efetivas em relação a salários [de homens e mulheres]? O que aparece na mídia sobre legislações da agenda [feminista]? Você tem três mulheres presidentas, mas tem alianças com machistas. Sofreremos retrocessos profundos. Mas sou otimista: que bom que há três presidentas em três países da América do Sul. Entretanto, continuamos com os piores salários, os piores empregos”, afirma. Pioneiras A militante bolchevique Evheniya Bohdanivna Bosch é considerada a primeira mulher a assumir o comando de um Estado (novamente, sem considerar monarcas). Em 1917, a ucraniana presidia o Secretariado do Povo e a Comissão do Povo para Assuntos Internos do país, que exercia funções executivas no então governo. Na década de 1940, Khertek Anchimaa-Toka tornou-se chefe de Estado de Tannu Tuva, uma república que existiu durante cerca de 20 anos, no começo do século XX, até ser incorporada pela União Soviética. Anchimaa-Toka governou entre 1940 e 1944. Nove anos depois, Sühbaataryn Yanjmaa passou a comandar interinamente a Mongólia, governando por cerca de dez meses. Yanjmaa era membro do Partido Revolucionário Popular da Mongólia. A primeira mulher eleita para o cargo de presidente na história foi Vigdís Finnbogadóttir, na Islândia, em 1980. Ela esteve no cargo durante 16 anos. O país insular também teve a primeira premiê assumidamente lésbica da história: Jóhanna Sigurðardóttir comandou o país entre 2007 e 2009. América Latina Na América Latina, a primeira mulher a assumir uma presidência foi María Estela Martínez de Perón, conhecida como Isabelita Perón. Ela era a vice-presidente do marido Juan Domingo Perón e assumiu o cargo após a morte dele, em 1974. O governo de Isabelita ficou marcado pela instabilidade institucional e pela crise econômica. Ela foi deposta por um golpe militar em 1976, após o qual foi presa e exilada. “Há um elemento a se considerar na Argentina”, diz Araújo. “Há um histórico de liderança muito forte, que é o de [Juan Domingo] Perón, que teve uma liderança feminina muito forte, que foi a Eva Perón. No caso da Isabelita, até pode ser que ela fosse fraca, mas há uma tendência de que as mulheres sejam julgadas por critérios mais duros, em que muitas vezes a ação delas fica muito fora do lugar: se ela é muito pulso firme, é vista como durona; se ela tem um jeito mais delicado, ou mais feminino, é vista como fraca”, afirma. Em 1979, outro país latino-americano passou a ser governado por uma mulher. O governo de Lidia Gueiler Tejada na Bolívia durou oito meses. Presidente da Câmara dos Deputados, ela assumiu o governo boliviano interinamente e foi deposta por um golpe militar em junho de 1980, 18 dias após a realização de eleições que haviam sido convocadas por ela. Rafael Targino |
|||
Fonte: Opera Mundi
|