Laura Tyson
Pela primeira vez na história da instituição, uma mulher comanda o Fundo Monetário Internacional (FMI). E, sob a liderança da diretora-gerente Christine Lagarde, o fundo está “convencionalizando” a igualdade de gênero como fator impulsionador do desempenho da economia.
Os direitos da mulher são há muito reconhecidos – embora muitas vezes não respeitados – como direitos humanos. Mas o ponto de vista de que os direitos das mulheres são um determinante fundamental da prosperidade da economia nacional é relativamente novo – e corroborado por um crescente grupo de pesquisadores do FMI, de outras organizações internacionais, e por acadêmicos do mundo inteiro.
Como escreveu Lagarde recentemente, a possibilidade de as mulheres terem as mesmas oportunidades que os homens de participar e de progredir nos mercados de trabalho é um fator fundamental para o crescimento da economia. Infelizmente, apesar dos consideráveis avanços registrados por muitos países, os mercados de trabalho do mundo inteiro continuam divididos por linhas de gênero, e o progresso rumo à igualdade empacou.
As mulheres representam pouco mais de metade da população mundial. Em nações desenvolvidas, há mais mulheres no ensino superior do que homens. E os níveis de emprego das mulheres aumentam, ao mesmo tempo em que caem as diferenças de índices de emprego baseadas em critérios de gênero, na medida em que aumenta o nível de instrução das mulheres.
Mas, no mundo inteiro, apenas cerca de metade das mulheres em idade ativa estão empregadas, e as taxas de participação das mulheres na força de trabalho não mudaram muito em duas décadas. Elas respondem pela maior parte do trabalho não remunerado no setor informal; e, mesmo quando estão formalmente empregadas, ganham menos que os homens com o mesmo grau de instrução em funções semelhantes. Tanto nas economias desenvolvidas quanto nas em desenvolvimento, as mulheres estão sub-representadas em cargos empresariais de nível sênior.
Segundo o índice de igualdade de gênero em participação econômica e oportunidade do Fórum Econômico Mundial, que avalia as discrepâncias de gênero nos índices de participação na força de trabalho, nos níveis salariais e em cargos destacados de gestão e de alta especialização técnica, mesmo os países com melhor desempenho têm diferenças por gênero de 15% a 25%, enquanto, no caso dos de pior desempenho, as discrepâncias chegam a 60% a 70%.
A lógica econômica, respaldada por evidências incontestáveis, indica que elevar as taxas de participação das mulheres na força de trabalho para níveis comparáveis aos dos homens aumenta o Produto Interno Bruto (PIB) em 5% a 6%, nos Estados Unidos, em 9% a 14% no Japão e em 12% nos Emirados Árabes Unidos (EAU), conforme estimativas recentes. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) calcula que obter igualdade de gênero nas taxas de participação na força de trabalho aumentaria o PIB em 12% nos países desenvolvidos nos próximos 20 anos. No mesmo sentido, a consultoria McKinsey estima que o PIB dos EUA teve expansão de 25% em 2011 em decorrência do aumento da taxa de participação das mulheres na força de trabalho de 1970 a 2009.
A igualdade de gênero nas áreas salarial e de oportunidades de ascensão também tem importância na natureza do desempenho das economias. Comparativamente à parcela do mercado de trabalho ocupada por elas, as mulheres estão mundialmente super-representadas em profissões de baixo status e em setores de baixos salários. Em países pobres em desenvolvimento, uma fatia desproporcional de mulheres ocupa empregos temporários, mal-remunerados no setor informal, sem benefícios. Mas o trabalho das mulheres, remunerado ou não, é uma das forças mais importantes de redução da pobreza nesses países.
Tanto nas economias desenvolvidas quanto nas em desenvolvimento, o trabalho de meio período no setor formal continua a ser domínio predominantemente feminino -muitas vezes a única solução para equilibrar responsabilidades profissionais e familiares. Mas diferenças significativas de gênero na remuneração persistem mesmo no setor formal na mesma função, até quando neutralizados os efeitos das características dos trabalhadores individuais, como seu nível de instrução.
Entre os países da OCDE, por exemplo, a diferença média de salário por gênero é de aproximadamente 16%, e as discrepâncias de gênero por profissão, expediente de trabalho, escolaridade e experiência explicam apenas 30% dessa diferença (e cerca 60% dela nos Estados Unidos e na Alemanha). Apesar do drástico crescimento do nível de instrução das mulheres, sua renda nos Estados Unidos continua menor que a dos homens para os mesmos níveis de qualificação em quase todas as profissões, inclusive nas predominantemente exercidas por homens e nas predominantemente exercidas por mulheres.
Em toda a OCDE, a discrepância salarial começa pequena para mulheres jovens que ingressam na força de trabalho; mas cresce com a idade, aumenta com a maternidade e é maior entre os profissionais mais bem-remunerados e os de altos níveis de instrução.
A maternidade aumenta a probabilidade do trabalho em meio período, que mina a renda e as perspectivas de longo prazo de avanço na carreira. A OCDE estima um “custo salarial” médio de 14% para as mulheres que têm filhos.
Algumas das causas das disparidades de gênero nos índices de participação na força de trabalho, nos níveis salariais e nas oportunidades de ascensão diferem entre países desenvolvidos e em desenvolvimento e exigem soluções de política pública diferentes. Em seu Relatório sobre Desenvolvimento Mundial de 2012, o Banco Mundial descreve várias políticas públicas destinadas a aumentar a participação da força de trabalho feminina nas economias em desenvolvimento, como aumento do acesso aos serviços de saúde, educação, crédito, transportes e energia elétrica, bem como fortalecimento dos direitos à propriedade e à herança. A OCDE propõe um amplo leque de políticas públicas para promover a igualdade de gênero em economias desenvolvidas e nas de mercados emergentes, com especial ênfase em políticas de educação infantil, como creches, e em licença por motivos familiares.
Enfoques como as generosas políticas de licença por motivo familiar adotadas na Suécia, e as práticas empresariais como expediente de trabalho flexível, que ajudam as mulheres (e os homens) a harmonizar as responsabilidades familiares e profissionais, são essenciais para conquistar igualdade de gênero no longo prazo.
Ignorar metade da força de trabalho mundial significa realizar apenas metade do potencial econômico mundial. Os graduados formuladores de políticas públicas deveriam dar atenção ao desafio de Lagarde de adotar políticas que impulsionem a participação, a remuneração e a ascensão das mulheres na força de trabalho. Os resultados serão um crescimento mais acelerado e mais inclusivo – sem falar num mundo mais equilibrado, mais próximo de cumprir a promessa de igualdade de oportunidades para todos. (Tradução de Rachel Warszawski).
Laura Tyson, ex-presidente do Conselho de Assessores Econômicos do presidente dos EUA, é professora na Haas School of Business, na Universidade da Califórnia, em Berkeley