Desde 24 de setembro, quando assédio virou crime inafiançável, ônibus, trem e metrô já registraram 25 casos na capital paulista
“Olhei para trás e tinha um senhor com o membro ereto encostando em mim. Eu fiquei sem chão”, diz A.G., 34 anos, sobre o dia em que foi assediada no ônibus. Ela não quis se identificar por sentir vergonha — nunca mais conseguiu usar a roupa que vestia no dia.
Importunação sexual está definida pelo artigo 215 do Código Penal como a prática de um ato obsceno contra alguém sem a aprovação desta pessoa com o objetivo de satisfazer-se. Quem cometer esse tipo de crime não poderá pagar fiança e poderá ficar preso de um a cinco anos.
Tornar o assédio crime é um terceiro passo importante na defesa das mulheres. Os outros dois passos dados foram a Lei Maria da Penha e a do Feminicídio.
“A lei foi pensada justamente para ser praticada nesses espaços públicos”, disse Silvia Chakian, promotora de Justiça do MP-SP (Ministério Público de São Paulo). Ela acredita que antes de criminalizar o assédio existiam dois extremos na Justiça, ou o abusador era enquadrado por importunação ou por estupro. “Essa lei nasce voltada para esses tipos de comportamento de forma gradativa. Entre a importunação e o crime de estupro ela aparece com gravidade intermediária.”
O caso de A.G. entrou para as estatísticas de importunação sexual no transporte público de São Paulo — ato que virou crime no dia 24 de setembro. Em 23 dias, foram 25 registros de importunação nos ônibus, trens e metrôs da capital paulista — ou seja, a cada 22 horas, uma pessoa é vítima deste crime.
A.G. tinha 19 anos na época, estava de férias do cursinho e ia para a casa de uma amiga estudar para os vestibulares. Naquele dia chovia muito e todos, assim como A.G., levavam guarda-chuvas.
Eram 9h da manhã quando A.G. entrou no ônibus, que a levaria de Pinheiros para Santa Cecília. Logo atrás, uma mulher entrou com o guarda-chuva já fechado nas mãos. Como o ônibus estava cheio, ficou no corredor esperando o ponto em que desceria.
“Senti algo encostando nas minhas costas, nas nádegas, e achei que era o guarda-chuva da mulher que subiu logo atrás de mim. Até que eu vi pela janela no ônibus a mulher passando na calçada com o guarda-chuva. Se ela está ali, o que está me cutucando?” A.G. entendeu o que acontecia: ela estava sendo alvo de importunação sexual. “Senti nojo de mim e dele.”
Casos como esse não são raridade: na semana passada foram divulgadas três importunações sexuais na Grande São Paulo. Segundo a SPTrans (São Paulo Transportes), a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) e o Metrô, não há um horário comum para que ataques como esse aconteçam — nem mesmo a idade do agressor é mapeada.
No transporte público
Segundo a SPTrans (São Paulo Transportes), desde 24 de setembro, a equipe de fiscalização registrou quatro casos de importunação sexual nos ônibus da cidade. Na quinta-feira (11), foram dois. Em um deles o suspeito levantou o vestido da vítima dentro de um ônibus no terminal Pirituba, na zona norte da capital. Ele foi preso em flagrante.
Um pouco mais tarde, outro caso. Desta vez, além de passar a mão na vítima, o homem masturbou-se dentro do coletivo na avenida Santo Amaro, na zona sul. Ele também foi preso. Em casos de abuso sexual dentro dos ônibus, a SPTrans recomenda que o motorista seja comunicado imediatamente, o que aconteceu nos dois casos.
Em Mauá, região metropolitana de São Paulo, na quarta-feira (10), a vítima filmou quando um homem colocou seu órgão genital para fora. A motorista foi até uma delegacia que fica no itinerário do ônibus, onde o abusador foi preso.
A CPTM afirmou que, desde quando houve a tipificação do crime, a empresa já registrou 13 casos de importunação sexual, todos encaminhados à polícia. A companhia disse que tem treinado seus funcionários a identificarem assédios e a prestar apoio às vítimas. A empresa pede que a vítima importunada informe o caso a um funcionário e que aponte o autor para que seja levado à polícia.
“Em 2015, a CPTM atendeu 91 casos de denúncias de assédio sexual, em 2016 foram 90 casos e em 2017, com a intensificação das campanhas de conscientização, foram 128 casos atendidos. Neste ano, até agosto, já foram 82 atendimentos por esse tipo de denúncia”, informou por nota.
Apesar da lei de importunação sexual, mulheres ainda sofrem assédio em transporte público
Já o Metrô de São Paulo disse que recebeu oito queixas relacionadas à importunação sexual desde que a lei entrou em vigor. Eles disseram que contam com “3.000 agentes de segurança de estação treinados e preparados para atender e acolher as vítimas dentro do sistema que é monitorado por câmeras de vigilância instaladas nas estações e trens, para ajudar na identificação dos infratores”.
Segundo o Metrô, 89% dos abusadores descritos pelas vítimas são detidos e levados à polícia.
Assédio em trens são enquadrados como importunação sexual
Os dois transportes públicos de trilhos, Metrô e CPTM, recomendam que as vítimas e testemunhas avisem os funcionários ou seguranças da estação ou vagão em que estiverem. Eles são treinados para prestar apoio à vítima e pelas câmeras de segurança podem ajudar a polícia a encontrar o abusador.
“Somos assediadas o tempo todo”, diz vítima de importunação sexual
Dentro dos ônibus, a SPTrans propõe que a vítima avise o ocorrido para o cobrador e para o motorista, assim eles impedem que o assediador desça do coletivo enquanto aguardam a polícia ou enquanto o levam até a delegacia mais próxima.
Para Silvia Chakian a capacitação desses funcionários é de extrema importância. “Não adianta ter uma lei se na hora que a vítima for pedir ajuda o funcionário não der a devida atenção.” Avisar os funcionários ajuda na prisão em flagrante e identificação do autor do crime, que segundo Silvia, não são conhecidos das vítimas em casos de importunação sexual no transporte público.
Por Ugo Sartori, do R7